(parte ludica)
‘This guy is dead, this guy is dead, this
guy is dead, this guy is also dead and this one is barely alive’ afirmou um
senhor branco de cabelos compridos para um negro magrinho enquanto ambos
analisavam um poster da banda Sands. Apos tal intervencao, o mesmo senhor
soltou um ligeiro sorriso e remata ‘boy! we’re getting old’.
Estavamos finalmente numa juke joint,
preparados para ouvir blues, no sitio onde ele nasceu e cresceu. O local assemelhava-se, como ja referi
anteriormente, a um barracao parecido com as sociedades recreativas das aldeias
portuguesas, cobertos de posters de estrelas locais de blues. O ambiente era
super descontraido e muito amistoso. Pedimos almondegas para jantar (nao
tinhamos outra escolha) e o mesmo senhor de cabelos compridos veio oferecer-nos
moonlight, bebida alcoolica de fabrico caseiro, illegal nos EUA. Nao me lembro
da razao pela qual o fiz, mas recusei a oferta. O Formiga bebeu e comentou que
se assemelhava ao bagaco, embora sem a potencia do alcool. O barracao tinha,
por esta altura, 15 pessoas.
A hora anunciada, o concerto comecou com um
blues muito caracteristico. Entre cada musica, o one man show (tocava guitarra
com as maos, percurssao com os pes e ainda cantava) explicava o estilo de blues
que tinha tocado, metia-se com os presentes e contava algumas piadas. Foi
atraves das suas explicacoes que ficamos a saber que o blues de uma so nota
(ex: John Lee Hooker) e da regiao norte do Mississipi, enquanto o blues de tres
notas em 12 compassos (ex: BB King) e da regiao sul desse Estado. Num intervalo entre musicas, o musico
perguntou: ‘hey guy with a strange name, whats your name again?’, eu respondi
‘Joao’. Ainda que longe, ele tentou ‘Joen?’…e a conversa continuou…
‘that’s close enough’
‘Where are you from?’
‘Portugal’
Neste momento senti uma voz forte, embora
calma, a eclodir atras de mim ‘PORTUGAL? Wait a minute!’
Com todo o barracao parado a olhar para
nos, ficamos a aguardar enquanto o tal senhor mexia nos seu telemovel. O musico
que se encontrava a meio do seu concerto ainda tentou, em vao, prosseguir com o
mesmo ‘hey Paul, I’m trying to do a show here. I’m trying to have an intimate
moment with the audience Paul’, mas o Paul nao esteve nem ai. Apos o curto
hiato, mas que tendo em conta as circunstancias, pareceu uma eternidade, Paul
descola os olhos do ecran do telemovel, olha para mim, levanta o seu copo e, a
sorrir, grita com felicidade ‘SALUSH!’. Toda a gente na juke joint retorquiu as
suas aproximacoes a palavra portuguesa saude, fizemos um brinde e o
espetaculo prosseguiu.
Passados mais alguns minutos, com uma aura
carregada de star quality, irrompe
pela juke joint adentro um senhor alto, de chapeu e camisa com brilhantes,
transportando um poster na mao. Estavamos entao na presenca de mais uma
personagem que ficara para a posteridade. Nao era nada mais, nada menos que o
detentor do Grammy para melhor album de blues de 2008, Watermelon Slim. A lenda
mundial do blues tocado em slide guitar, tinha chegado da Nova Zelandia naquele
dia e, como manda a tradicao, tinha trazido o poster para colocar nesta juke
joint. Apresentou-se a nos num portugues engracado, mas de dificil
entendimento, falou em espanhol com uns Argentinos que la estavam e ate tentou
o alemao com um casal que tinha acabado de chegar de St. Louis. Feitas as apresentacoes
(com o concerto a decorrer) ele foi para a frente do palco dancar com a
destreza e desinibicao como se ninguem estivesse a ver.
A presenca de Watermelon Slim na sala era
enorme e o musico que estava a atuar interrompeu o seu concerto, para convida-lo
a tocar algumas das suas musicas. Fomos entao testemunhas de uma arte
verdadeiramente superior e completamente diferente do que tinhamos visto ate
entao. A interpretar as suas cancoes como se tudo lhe doesse, mas ja fosse
velho demais para se contorcer de dor, a sua voz ziguezagueava entre uma
roquidao cavernosa e uma docura de toque leve e sublime. Tocou duas musicas com
uma slide guitar (que tinha ido ao carro buscar em 2 minutos) e uma a Cappela,
acabando com um solo de uma harmonica que trazia no bolso.
Por esta altura, eu e o Formiga ja tinhamos
perdido a conta aos KOs que tinhamos sofrido do blues, mas este bateu como ALI!
Foi um momento poderoso ver tal atuacao e partilha-la com menos de 25 pessoas.
Watermelon Slim e uma perola e e de Clarksdale. Como todas as perolas deste
local, ele nao quer sair de la, segundo nos foi comentado pelo senhor que
proferiu as primeiras palavras deste post e que era, afinal, Arthur Crivaro, o
proprietario desta juke joint.
Voltou-nos a ser oferecido Moonlight e,
desta vez, nao vacilei. Foi a bebida mais doce que alguma vez bebi,
escorregando pela garganta como se fosse mel liquido. Nunca iria adivinhar que
era uma bebida de elevado teor alcoolico.
O primeiro artista continuou o seu concerto
e, nas duas horas seguintes, assistimos ao seu flirt insistente com uma bonita
mulher da audiencia, a versoes de Robert Johnson, a blues speedados interpelados por jams com instrumentos de percurssao que alguem da plateia ia esporadicamente tocando e
ao apogeu do concerto com toda a gente de pe, a dancar em frente ao pequeno
palco com direito a quarto versos improvisados pelo artista do
dia e dirigidos especificamente a cada um dos presentes. No meu caso, ele brincou com a dificil pronunciacao do meu nome e, no caso do (Bruno) Formiga, com o filme de Sacha Baron Cohen, chamado 'Bruno'
.
Tudo nesta noite foi divertido! As pessoas,
a musica e ate a casa de banho tinha um enorme poster do filme ‘Kramer contra
Kramer’ por cima da sanita.
Com o fim do concerto, ficamos a conversa
com os presentes, onde nos foi explicada a dinamica especial de Clarksdale. O
simpatico Arthur sentou-se connosco e partilhou o seu interessante e repleto passado.
Tendo trabalhado como produtor para Frank Zappa (que ele considera como o maior
genio com quem trabalhou), para Rolling Stones ou Jimi Hendrix, Arthur contou-nos estorias
incriveis como o dia em que disse que nao a uma miuda que estava a tentar
colocar a sua banda num festival que ele estava a organizar na Florida. A banda
era Jefferson Airplane e a miudinha era a vocalista Grace Slick. Arthur
descreveu-nos tambem o momento em que ficou surdo de um ouvido, de forma permanente,
numa altura em que trabalhava com os Grateful Dead. Por essa altura, achou que chegava
de rock e que Clarksdale era o sitio ideal para passar o resto da sua vida.
Nesta vila, Arthur abriu esta juke joint, local que ele apelida como ‘a minha
sala de estar’.
Esta noite foi, ate ao momento, a melhor
desta viagem!
Nota: tenho pena de nao poder partilhar os
videos e as fotos desta noite. As mesmas estao num cartao de memoria que,
embora leia as fotos/videos na camara, da erro quando as tento passar para o
computador!
No comments:
Post a Comment