Wednesday, August 7, 2013

San Cristobal de las Casas - Cidade especial!

‘Solidariedade = horizontal | caridade = vertical’ adaptado de uma longa lenga lenga de Eduardo Galeano no livro ‘Las venas abiertas de America Latina’

O negativismo que embalou a nossa viagem de autocarro, fruto do elaborado brinde de Antonio, o pescador mentiroso de Puerto Escondido (OK! Eu sei que os pescadores sao mentirosos, mas este era um grande pescador!), dissipou-se com os artilhados*(curiosidade 1) ares de San Cristobal de Las Casas, na velhinha e montanhosa provincia de Chiapas.

Viajando, sempre que possivel, de noite para poupar o dinheiro da estadia, chegamos a San Cristobal (SC) bem cedo. Rapidamente nos instalamos num hostel a 80 pesos (o equivalente a 5 euros por dia) e fomos fazer a habitual primeira incursao pela cidade desprovidos de qualquer mapa, recomendacao ou sequer ideia do que nos esperava. Nem ha cinco minutos estavamos a andar quando chegamos a longa, estreita e lindissima rua de Guadalupe. De movimiento intenso, mas estranhamente silenciosa, esta rua conta com varias lojas de tudo um pouco, mas essencialmente de artesanato chiapaneco e merchandising da guerrilha local EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional) cuja da figura de proa, o subcomandante Marcus, e a mais brilhante das varias estrelas deste movimento. Apos os 50 primeiros metros desta rua, percebi que o prognostico de estadia para tres dias era irreal e refleti sobre a justica dos astros. Quando o Universo nos brinda com algo negativo, logo trata de nos massajar a barriga com maos de veludo. Neste caso muito concreto, as maos talvez tivessem pulsos que ostentassem pulseiras do mais fino ambar, produto que abunda naquela regiao e cuja extracao e um ator determinante na economia local.

Fazendo a ja típica breve descricao geográfica do local, SC esta situada num vale completamente rodeado de montanhas e vulcoes, cujas encostas sao ocupadas por pequenos povos indígenas. Nas mesmas, encontram-se as igrejas de Guadalupe, cuja longa escadaria de acesso e precisamente onde a central rua de Guadalupe comeca, e do Cerro, localizada na montanha do lado oposto como se se duas claques rivais se tratasse. A paisagem que se pode vislumbrar de ambas e fantástica, fazendo lembrar uma Cidade do Mexico em miniatura, devido a toda a sua perferia montanhosa, na qual a arquitetura castanha e verde de Deus ainda e o traco que prevalece.

Regressando ao prmeiro dia, algo de muito relevante aconteceu e que acabaria por marcar a nossa estadia em SC. Com os banhos tomados e com as mochilas ja meio vazias ao fundo das nossas camas, saimos para jantar e beber um par de gasosas. Quando ja nos encontravamos a fazer o caminho de regresso, eu parei subitamente ao identificar uma musica de Violent Femmes (banda americana) que se escapava pelas entreabertas portas de um bar que parecia estar a fechar. A medo, dado o avancar da hora e o aspeto de pre-clausura, entrei no ‘La Sandunga’ e perguntei se ainda serviam. Uma senhora alta, speedada e de rastas ate ao rabo respondeu que sim e fez o favor de nos servir. Sentados ao balcao, eu cantarolava as cancoes de Violent Femmes enquanto a senhora, que entretanto nos revelou ser originaria da regiao Italiana de Liguria (tal como o simpatico Matias de Puerto Escondido), nos interpelava constantemente com questoes e curiosidades. Com o decorrer da noite, o gelo foi derretendo e ao toque de uma cerveja oferecida, mostrou-nos as cancoes da banda da qual e manager e que se encontrava, naquele momento, no Corona Music Fest em Guadalajara. Acabamos essa noite na boite ‘Madre Tierra’ a testemunhar o quao mal, eu e o Formiga, dancamos salsa.

Ja parcialmente descrita, esta Italiana que se apaixonou por San Cristobal enquato viajava e que decidiu la voltar para viver o resto dos seus dias, chama-se Marirosa e assumiu o papel de nossa matriarca, apresentando-nos a imensa gente e proporcionando-nos uma ampla variedade de experiencias que de outra forma teriam sido impensaveis.

No segundo dia, voltamos a passear pela surpreendentemente grande cidade de SC, tendo descontraido os cansados corpos num comedor de rua com uns deliciosos tacos. A primeira cerveja da noite foi no elegante bar ‘Entropia’. A simpatica proprietaria Meixueira, de descendencia galega, tambem foi lesta no que toca a nos integrar na tao simpatica clientela do seu bar. Ao som de Chico Cesar, despedimo-nos e seguimos para o ‘La Sandunga’, onde fomos, novamente, muito bem recebidos pela Marirosa e a sua seria, mas extremamente competente empregada Gina. Decidi entao, apos conferenciar com o diabo em cima do ombro esquerdo, assumir o controlo da playlist do bar, papel esse que correu de tal forma que fiquei retido o resto da noite junto ao PC, sendo apenas interrompido para dar abracos ou apertos de mao pela escolha das musicas. Essa noite prosseguiu sob um clima de reencontro de amigos de escola que nao se veem ha dez anos e acabou ja o sol anunciava que chegavamos a meio do dia.

Depois de um domingo de vista embaciada e de pernas latejantes, a segunda-feira deu o pontape de saida para a semana mais emotiva da viagem ate entao. Sem qualquer ordem cronologica ou de preferencia, nesta semana fomos as montanhas atuar para meninos indigenas que nunca tinham visto uma marioneta, atuamos uma noite inteira no ‘La Sandunga’, passamos um dia na casa que Marirosa possui nas montanhas e visitamos o pequeno mas util museu da cidade de SC. Nele percebemos, nao apenas as dificuldades de escoamento de agua na epoca das chuvas, devido as suas condicoes geograficas desvantajosas, mas tambem curiosidades culturais como o facto desta cidade ter nove santos padroeiros ou de ter sido o palco da primeira fotografia da historia, na altura impressa num papel vegetal que teve a duracao de 15 dias.
Nesta semana fomos tambem ao Canon del Sumidero, rio cujas margens sao compostas por escarpas, assemelhando-se vagamente ao Grand Canyon de Arizona. Este sitio e um dos locais mais importantes da historia de Chiapas, simbolizando a resistencia dos indios aos invasores Espanhois que os tentavam conquistar. Segundo reza a lenda, na escarpa mais alta deste canhao, os indios das montanhas de Chiapas, realizaram um suicidio coletivo ao atirarem-se todos ao mesmo tempo, revoltados por estarem a ser forcados a abdicar dos seus principios e costumes. Ainda hoje, a bandeira de Chiapas tem, como imagem de fundo, o Canon del  Sumidero.

Por entre os dias preenchidos desta semana, visitamos tambem dois povos indigenas, San Juan Chamula e Zinacantan, tendo sido possivel assistir a fabricacao manual de artesanato local, a tecelagem de lindissimos trajes e aos seus costumes religiosos que persistentemente mantiveram ao longo de varios seculos. Sublinhe-se que a igreja de San Juan Chamula e local de pratica de duas religioes diferentes no mesmo espaco. Coisa pouco comum neste mundo!

No ultimo fim de semana em SC, fomos a uma cantina local onde almocamos junto de taxistas, sapateiros, artesaos, carteiros e todos os casticos de SC, embalados por musica rancheira, cerveja barata e comida (mais ou menos) boa, barata e bela. O nosso tour noturno voltou a ter uma incursao pelo ja habitual ‘La Sandunga’ para a ver a banda gerida por Marirosa atuar. Apos o seu concerto ainda toquei tres ou quatro musicas a pedido de Mari para dar um gostinho de Bossanova aos presentes. O resto dessa noite voltou a ser de gaudio e a terminar ja depois da hora de almoco.

Tentamos abandonar San Cristobal de las Casas na segunda-feira seguinte, mas San Cristobal de las Casas nao nos queria abandonar! Os nove santos devem ter abencoado a manifestacao de professores que se realizou, pois a adesao foi tal que bloquearam as saidas dos autocarros da estacao. Em boa hora o fizeram, uma vez que apos um dia bem relaxado em SC, tivemos um jantar maravilhoso no restaurante do Ale, um dos muitos conhecimentos que fizemos no ‘La Sandunga’.
Para alem de Marirosa, pessoas como a acessivel Gina (que com o tempo baixou a guarda e se revelou uma simpatia), a sempre disponivel Mercedes, a desvairada Meixueira, o sobrio pinguim (alcunha, como e obvio), o sorridente e generoso Ale e o acessivel Carlos, farao sempre parte do nosso conto de fadas mexicano!

Pela primeira vez, em toda a viagem, senti-me em casa. Admito que tal sentimento possa ser falacioso, mas confesso que ser cumprimentado a toda a hora na rua, nos faz sentir integrados e que aquele legado tambem pode ser nosso a troco de muito pouco.

Nunca, mas nunca esqueceremos estes dias em San Cristobal de las Casas!

Curiosidades (vale a pena ler J)
1 – San Cristobal de las Casas esta sentada em cima de uma bacia de uranio a 2200 metros de altitude. Como o uranio evapora-se atraves da terra, a populacao inala um composto quimico andando, permanentemente, ‘pedrada’. Esta e a razao cientifica, muito curiosa, que ajuda a explicar a tao grande simpatia e generosidade dos seus traseuntes.

2 – E nas montanhas de Chiapas que ainda permanecem os Zapatistas, exercito de guerrilha que organizaram a revolucao de 1994, com a invasao a San Cristobal de las Casas. Zelando pelos Direitos dos indigenas e incrivelmente eloquentes, o EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional) ainda se mantem ativos e bem organizados.
O documentario ‘a place called Chiapas’ e uma otima fonte de informacao sobre este movimento.

3 – Em SC tentamos o busking por duas vezes! Na primeira vez fomos interrompidos ao fim de quatro musicas, quando tinhamos uma plateia de 30 a 40 pessoas, devido ao facto de nao sermos possuidores da licenca necessaria. Plenamente conformados com esta situacao, fomos no dia seguinte submeter-nos a todos os processos burocraticos para a obtencao da mesma. Enquanto esperavamos pela a assinatura da Diretora da Casa da Cultura de San Cristobal, fomos ensaiar relaxadamente para o jardim em frente. Neste ensaio de apenas duas musicas, captamos a atencao de uma familia de Guadalajara que depositou na mala da guitarra, dinheiro suficiente para todas as refeicoes de ambos naquele dia.

No dia seguinte, ja na posse da licenca, fomos abordados pelo mesmo guarda que defendeu que necessitavamos de mais uma copia da licenca. Claramente a procura de extorquir dinheiro, gritei-lhe ‘NAO!’ junto ao seu nariz, coloquei, violentamente, a guitarra na mala e virei-lhe costas...va enganar os seus...

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