Wednesday, May 15, 2013

Highway 61 (parte 1) - O berco do blues!


Houve tempos em que tentei perceber a origem de algumas paixoes, mas depois desisti. Nesta viagem, com o tempo que tenho para pensar, decidi voltar a tentar perceber o que me faz gostar tanto de uma determinada coisa, neste caso, blues acustico. Embora confesse que ainda nao tenha materia para emitir um juizo final, reconheco algumas causas ao fundo do tunel.

Ainda com a cabeca em Memphis, mas ja com o coracao pronto para se lancar na estrada em busca da perola sagrada e mae de todos os estilos de musica atuais, chegamos a Clarksdale no Estado do Mississipi. De carro alugado e com um desvio pelo verdejante e solitario norte do sweet home Alabama, entramos no Mississipi para descer a Highway 61. E Highway 61e sinonimo de Clarksdale. Segundo reza a lenda, algures na decada de 20, um jovem adulto e futuro padrinho do blues chamado Robert Johnson dirigiu-se a um cruzamento em Clarksdale carregando a sua guitarra acustica. Nesse cruzamento, a meia noite em ponto, Robert encontrou-se com um gigante homem negro (o diabo) que lhe afinou a guitarra e tocou um par de cancoes, devolvendo depois a guitarra ja enfeiticada. Por troca com a mestria no manejamento da guitarra, Robert Johnson vendia assim a sua alma ao diabo o que lhe implicava ficar a arder para sempre no inferno, apos a sua morte. Esta lenda e reforcada, nao apenas pelo facto de o mesmo ter evoluido na composicao e na execucao de uma forma imediata e absolutamente extraordinaria, mas tambem pelo teor de varias das suas letras. Aos 27 anos, morreria envenenado numa juke joint (este termo designa os concertos organizados em barracoes para audiencias exclusivamente negras) apos ter tentado seduzir a namorada do barman. No seu legado consta apenas um album, muitas versoes das suas musicas pelos mais variados artistas de classe mundial, uma estrela no hall of fame e muitas e enigmaticas estorias sobre a sua vida e, principalmente, sobre a sua morte.

Contando tambem com os genios Son House e Muddy Waters como filhos da terra, Clarksdale e fascinante! mas nao imediato!

Na tarde em que chegamos a Clarksdale era Domingo e queriamos comer algo. Fizemos check-in num motel barato (tinhamos dormido a noite anterior no carro, debaixo de um assutador festival de trovoes, em Tupelo), largamos as coisas e fomos procurar um sitio roots para almocar. Seguindo uma rota em direcao ao centro da vila, fomos comentando a elevada quantidade de cabeleireiros existentes nas ruas mais perifericas e os carros kitados de forma tao estravagante e megalomana que nao encontra paralelo com nenhum outro local onde ja tive. Estranhamos este facto, uma vez que o material automovel e caro (1.000 US dolares por cada jante nas lojas de penhores 'pawn shop') e tambem porque o Mississipi e um dos Estados mais pobres dos EUA. Contudo, o que mais nos causou estranheza foi a nao existencia de pessoas no centro da vila, nem nas principais ruas adjacentes. Tal como um cenario que e dispensado apos a gravacao do filme, esta vila parecia ja nao ter uso. Percorremos todas as suas ruas centrais e nao encontramos nenhum estabelecimento aberto nem vivalma que nos pudesse indicar um local onde comer. Que experiencia estranha! Numa terra onde a idade media e elevadissima e o clima e agradavel, como nao encontramos nenhuma comunidade de velhotes casticos a trocarem, pela centesima vez, as suas estorias de infancia e os feitos dos seus netos? Por outro lado, Clarksdale tinha um aspeto clean e organizado. Alguem tinha que sustentar esta organizacao, certo?

Numa eventualidade, encontramos um local que, embora aparentemente estivesse encerrado, estava aberto. Abastecemo-nos de sandes com mau aspeto e, apos uma vistoria superficial a toda a vila, fomos para o parque principal dormir uma sesta, mais concretamente, em cima do palco onde se organiza o Delta Blues Festivel, devido a longa sombra que a sua cobertura providencia. Restabelecidos, voltamos para o motel onde ficamos ate a noite (exceto uma incursao noturna pela vila para verificar-mos que a unica diferenca para a tarde era no ceu e nao na terra).

O primeiro dia em Clarksdale nao podia ser mais insipido! Esta insipidez transformou-se numa materia misteriosa quando, no dia seguinte, tudo fez sentido, com todas as pecas do puzzle a se conjugarem na perfeicao e a nos exporem uma situcao que nos atinge como uma chapada na cara, como se todas as pessoas que vao a Clarksdale fossem priveligiados 'Mama's Boy' que julgam saber sobre os locais apenas porque sabem como navegar proficuamente num mundo virtual que nos conta tudo o que e preciso saber e tambem o seu oposto...
(continua na segunda parte :P)

Nota: a nossa marioneta chama-se Robert Johnson, devido ao facto de estarmos a ouvir Robert Johnson quando ofereci a marioneta ao Formiga, em agradecimento por ele ter desenrolado o enorme no que se tinha gerado nos fios.

No comments:

Post a Comment