Saturday, May 25, 2013

Highway 61 (parte 3) - Ainda na juke joint de Clarksdale

(parte ludica)

‘This guy is dead, this guy is dead, this guy is dead, this guy is also dead and this one is barely alive’ afirmou um senhor branco de cabelos compridos para um negro magrinho enquanto ambos analisavam um poster da banda Sands. Apos tal intervencao, o mesmo senhor soltou um ligeiro sorriso e remata ‘boy! we’re getting old’.

Estavamos finalmente numa juke joint, preparados para ouvir blues, no sitio onde ele nasceu e cresceu.  O local assemelhava-se, como ja referi anteriormente, a um barracao parecido com as sociedades recreativas das aldeias portuguesas, cobertos de posters de estrelas locais de blues. O ambiente era super descontraido e muito amistoso. Pedimos almondegas para jantar (nao tinhamos outra escolha) e o mesmo senhor de cabelos compridos veio oferecer-nos moonlight, bebida alcoolica de fabrico caseiro, illegal nos EUA. Nao me lembro da razao pela qual o fiz, mas recusei a oferta. O Formiga bebeu e comentou que se assemelhava ao bagaco, embora sem a potencia do alcool. O barracao tinha, por esta altura, 15 pessoas.
A hora anunciada, o concerto comecou com um blues muito caracteristico. Entre cada musica, o one man show (tocava guitarra com as maos, percurssao com os pes e ainda cantava) explicava o estilo de blues que tinha tocado, metia-se com os presentes e contava algumas piadas. Foi atraves das suas explicacoes que ficamos a saber que o blues de uma so nota (ex: John Lee Hooker) e da regiao norte do Mississipi, enquanto o blues de tres notas em 12 compassos (ex: BB King) e da regiao sul desse Estado. Num intervalo entre musicas, o musico perguntou: ‘hey guy with a strange name, whats your name again?’, eu respondi ‘Joao’. Ainda que longe, ele tentou ‘Joen?’…e a conversa continuou…
‘that’s close enough’
‘Where are you from?’
‘Portugal’
Neste momento senti uma voz forte, embora calma, a eclodir atras de mim ‘PORTUGAL? Wait a minute!’
Com todo o barracao parado a olhar para nos, ficamos a aguardar enquanto o tal senhor mexia nos seu telemovel. O musico que se encontrava a meio do seu concerto ainda tentou, em vao, prosseguir com o mesmo ‘hey Paul, I’m trying to do a show here. I’m trying to have an intimate moment with the audience Paul’, mas o Paul nao esteve nem ai. Apos o curto hiato, mas que tendo em conta as circunstancias, pareceu uma eternidade, Paul descola os olhos do ecran do telemovel, olha para mim, levanta o seu copo e, a sorrir, grita com felicidade ‘SALUSH!’. Toda a gente na juke joint retorquiu as suas aproximacoes a palavra portuguesa saude, fizemos um brinde e o espetaculo prosseguiu.

Passados mais alguns minutos, com uma aura carregada de star quality, irrompe pela juke joint adentro um senhor alto, de chapeu e camisa com brilhantes, transportando um poster na mao. Estavamos entao na presenca de mais uma personagem que ficara para a posteridade. Nao era nada mais, nada menos que o detentor do Grammy para melhor album de blues de 2008, Watermelon Slim. A lenda mundial do blues tocado em slide guitar, tinha chegado da Nova Zelandia naquele dia e, como manda a tradicao, tinha trazido o poster para colocar nesta juke joint. Apresentou-se a nos num portugues engracado, mas de dificil entendimento, falou em espanhol com uns Argentinos que la estavam e ate tentou o alemao com um casal que tinha acabado de chegar de St. Louis. Feitas as apresentacoes (com o concerto a decorrer) ele foi para a frente do palco dancar com a destreza e desinibicao como se ninguem estivesse a ver.
A presenca de Watermelon Slim na sala era enorme e o musico que estava a atuar interrompeu o seu concerto, para convida-lo a tocar algumas das suas musicas. Fomos entao testemunhas de uma arte verdadeiramente superior e completamente diferente do que tinhamos visto ate entao. A interpretar as suas cancoes como se tudo lhe doesse, mas ja fosse velho demais para se contorcer de dor, a sua voz ziguezagueava entre uma roquidao cavernosa e uma docura de toque leve e sublime. Tocou duas musicas com uma slide guitar (que tinha ido ao carro buscar em 2 minutos) e uma a Cappela, acabando com um solo de uma harmonica que trazia no bolso.
Por esta altura, eu e o Formiga ja tinhamos perdido a conta aos KOs que tinhamos sofrido do blues, mas este bateu como ALI! Foi um momento poderoso ver tal atuacao e partilha-la com menos de 25 pessoas. Watermelon Slim e uma perola e e de Clarksdale. Como todas as perolas deste local, ele nao quer sair de la, segundo nos foi comentado pelo senhor que proferiu as primeiras palavras deste post e que era, afinal, Arthur Crivaro, o proprietario desta juke joint.

Voltou-nos a ser oferecido Moonlight e, desta vez, nao vacilei. Foi a bebida mais doce que alguma vez bebi, escorregando pela garganta como se fosse mel liquido. Nunca iria adivinhar que era uma bebida de elevado teor alcoolico.

O primeiro artista continuou o seu concerto e, nas duas horas seguintes, assistimos ao seu flirt insistente com uma bonita mulher da audiencia, a versoes de Robert Johnson, a blues speedados interpelados por jams com instrumentos de percurssao que alguem da plateia ia esporadicamente tocando e ao apogeu do concerto com toda a gente de pe, a dancar em frente ao pequeno palco com direito a quarto versos improvisados pelo artista do dia e dirigidos especificamente a cada um dos presentes. No meu caso, ele brincou com a dificil pronunciacao do meu nome e, no caso do (Bruno) Formiga, com o filme de Sacha Baron Cohen, chamado 'Bruno'
.
Tudo nesta noite foi divertido! As pessoas, a musica e ate a casa de banho tinha um enorme poster do filme ‘Kramer contra Kramer’ por cima da sanita.

Com o fim do concerto, ficamos a conversa com os presentes, onde nos foi explicada a dinamica especial de Clarksdale. O simpatico Arthur sentou-se connosco e partilhou o seu interessante e repleto passado. Tendo trabalhado como produtor para Frank Zappa (que ele considera como o maior genio com quem trabalhou), para Rolling Stones ou Jimi Hendrix, Arthur contou-nos estorias incriveis como o dia em que disse que nao a uma miuda que estava a tentar colocar a sua banda num festival que ele estava a organizar na Florida. A banda era Jefferson Airplane e a miudinha era a vocalista Grace Slick. Arthur descreveu-nos tambem o momento em que ficou surdo de um ouvido, de forma permanente, numa altura em que trabalhava com os Grateful Dead. Por essa altura, achou que chegava de rock e que Clarksdale era o sitio ideal para passar o resto da sua vida. Nesta vila, Arthur abriu esta juke joint, local que ele apelida como ‘a minha sala de estar’.

Esta noite foi, ate ao momento, a melhor desta viagem!


Nota: tenho pena de nao poder partilhar os videos e as fotos desta noite. As mesmas estao num cartao de memoria que, embora leia as fotos/videos na camara, da erro quando as tento passar para o computador! 

No comments:

Post a Comment