Friday, May 10, 2013

Estorias 2


Na primeira noite que passamos em Memphis, cheguei ao quarto, sentei-me na cama e olhei para o
Formiga. Sentiamo-nos bem! Sentiamo-nos muito bem!

Os culpados por nos terem colocado um sorriso na cara que ainda hoje se manifesta com a lembranca
daquela noite, foram os elementos da banda Dr. Feelgood Pots. Nao porque as suas letras contivessem
comedia, nem pela sua performance apalhacada, mas sim pela sua atitude naïve, relaxada e ate humilde
que mantiveram durante o seu concerto.

Tocando Blues, tal como ditam as regras em Memphis, esta banda era composta por 4 personagens
muito peculiares. O vocalista, armado com um harmonica para cada nota (11 ao todo) dispostas como
se fossem balas num colete e num cinto, atuou sempre com os seus olhos fechados e com o seu corpo
corvado e inquieto, como se procurasse uma parede para se encostar ou se carregasse um objeto
quente nas maos. Nao sei se via melhor naquela condicao de clausura, mas a destreza com que vinha ao
publico com um antigo balde pedir gorjetas enquanto cantava os versos ‘tip tip tip tip tip the band’, era
de fazer inveja ao bartender mais atletico. Ele rodopiava, deslizava e dancava sempre de olhos fechados
e de microfone em punho. Mas nao era a unica personagem peculiar desta estoria.

Durante a primeira musica do concerto, notamos a presenca em palco de uma mulher asiatica de baixa
estatura, com as costas marrecas, que usava um blusao de ganga 3 a 4 numeros acima do seu e um
comprido gorro colorido. Contudo, enquato os restantes membros da banda se empenhavam em tocar
um famoso tema de blues, ela encontrava-se sentada a frente da bateria e compenetrada no seu cigarro. Apenas no final desse tema, esta senhora decidiu pegar num comprido baixo e juntar-se a restante banda para, sem nunca mudar a sua expressao facial, dar uma licao de baixo durante as seguintes horas.

A completar a seccao ritmica dos hilariantes Dr. Feelgood Pots estava um baterista que tocou todo o
concerto com as costas encostadas na parede. De bone enfiado na cabeca, este senhor nunca descolou
as costas da parede fria nem nunca se empolgou com o que estava a tocar. Para abrilhantar a sua
performance, ele tocou a segunda metade do concerto com os olhos fechados, tornando dificil perceber
se estava a ser embalado pelo groove que a banda estava a ter, ou pelo sono natural que se sente
quando a jornada ja vai longa.

Por fim, tinhamos um virtuoso guitarrista de blues a direita do palco. Os seus 70 ou 80 quilogramas
acima do recomendado, faziam a sua guitarra parecer um ukulele levando o Formiga a perguntar-me se
aquele modelo nao era mais pequena que o normal. Era um modelo normalissimo, com as proporcoes
normais de uma guitarra normal! Nao era a guitarra que nao era normal!

Soltamos gargalhadas atras de gargalhas com o repertorio escolhido e com o coolness que esta banda
tem a tocar. Nos os dois, com tres amigos que entretanto fizemos, dancamos ate a ultima nota deste
espetaculo! Sempre que o vocalista dizia ao microfone ‘SCREAM’, eramos nos quem gritava mais alto!

Serao estes os verdadeiros blues? Nao, nao sao! Nunca seriam! Esta banda foi tao e somente um dos
momentos mais coloridos de toda a viagem. Foi um hino ao despretensioismo e a humildade. Uma licao
de que quem corre por gosto, nao sabe o que e isso do cansaco e quem quem ri de olhos fechados, nao
pode nunca estar preocupado com a realidade que o rodeia.

Quem diria que iria ser uma banda de blues que me ia fazer rir a gargalhada?

Nota: Dr Feelgood Pots e uma banda com, pelo menos, tres albuns lancados e a venda nas boas lojas de
discos de blues.

Nota 2: Nas capas dos albuns, o vocalista aparece de olhos abertos.

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