Thursday, May 30, 2013

New Orleans - A cidade do caos controlado

‘there is a brewery right next to this corner that sell cheap beer and is running out of business in two weeks’
‘what?’
‘yeah! Something must be very wrong to run out of business in New Orleans, when you sell beer’

Depois do peso emocional que a Highway 61 teve em nos e da solidao que se sente quando se passa uma tarde em algunas daquelas vilas, New Orleans e o local ideal para exorcizar as magoas alheias que se penduram em nos como dentes de leao.

Chegamos numa quinta-feira ao inicio da tarde e fomos recebidos por uma chuva intensa e ruidosa, embora mais intermitente do que propriamente persistente. Apos termos entregue o carro que tinhamos alugado para descer a H61, instalamo-nos no hostel mais barato e rumamos ao French Quarter, na zona downtown da cidade. A soberba luz de final de tarde, conjugada com uma amena temperatura tornaram um simples passeio a pe em mais um momento a recordar, apenas e so pela cor que o ceu, as casas e ate o asfalto tinham naquele momento. Com uma arquitetura Espanhola, apesar de se designar French Quarter, a zona ribeirinha de NO assemelha-se imenso a uma realidade mais sul americana, como por exemplo, Buenos Aires. O facto de o Louisiana ter pertencido aos Estados Unidos Mexicanos (o ainda nome oficial do país que conhecemos como Mexico) e tambem a sua proximidade com o Oceano Atlantico que a tornou num importante porto para o mercado dos escravos, tiveram como consequencia uma multiplicidade de influencias tal que a torna distinta de todas as outras grandes cidades americanas que visitamos. Seria injusto colocar todas as metropoles no mesmo saco, mas em todas existem alguns tracos comuns. No caso de New Orleans, esses tracos esbatem-se ao ponto de que, se se falasse outra lingua nesta cidade, seria algo que ate fazia sentido.

Carregando o legado de ter sido a culpada pelo nascimento do jazz, as suas ruas sao compostas por todo o tipo de pessoas que vai desde o entertainer na esquina (como nos), ao comerciante ambulante, passando por personagens que parecem fazer de dandy o seu oficio. Tiramos dois días para passear pelas principais ruas e zonas de NO, como o French Quarter, a Magazine Street, a Frenchman Street, Canal Street, Loyola Ave., Jackson Sq. e Lafayette Sq., aproveitando sempre para ir entrando em lojas e livrarias que nos iam parecendo interessantes, assim como, entrando em alguns locais para asistir a alguns concertos que comecavam ainda a tarde era uma crianca.

No sabado, passamos toda a tarde no Jazz Fest. Apesar de um titulo catalogado com um estilo de música, este festival continha uma dezena de palcos e artistas para todos os gostos. Se num palco estava a atuar a banda de rock Fleetwood Mac, apenas a algunas centenas de metros para a esquerda era possivel assistir-se a um concerto de cantos indígenas. Neste festival, que tem a característica interesante de comecar as 10h da manha e acabar as 9h da noite, vimos varias bandas, entre elas os ditos Fleetwood Mac. Tentando perfurar a maior multidao que alguma vez vi, perdi o Formiga algures na confusao. Como mocos precautos que somos (e conhecedores das nossas características pessoais) reencontramo-nos no final do festival, num local que tinhamos previamente definido, caso nos perdessemos. Enquanto o Formiga preferiu ver Stanley Clarke e Frank Ocean, eu permaneci sempre no fraco e pouco convincente concerto de Fleetwood Mac.
Com um amargo de boca e uma dor nas costas de carregar uma mochila algo pesada (ha coisas que uma pessoa nunca aprende!) saimos do festival em direcao a Frenchman Street para irmos assistir a boa música ao vivo. E impressionante como saimos de locais como Memphis, Nashville, Clarksdale ou Vicksburg e vamos a um festival mundialmente conhecido, para testemunhar concertos em que a qualidade técnica e o nivel de entrega dos músicos e, significativamente, mais baixo.

Iamos no segundo ou terceiro concerto dessa noite na Frenchman Street quando vejo o Formiga a dar um abraco a uma rapariga. Nos tinhamos estado tres ou quatro noites com tres estrangeiros em Memphis (uma Alema, uma Australiana e um Ingles) e a Karol (Alema) tinha-nos reencontrado por obra do acaso. Rapidamente, ela levou-nos ate a Felicity (Australiana) que esperava o Pete (Ingles) num bar. E comum os viajantes solitarios irem fazendo trechos da sua rota com pessoas que vao encontrando nos hostels e que tem o mesmo estado de espirito. Estes tres partiram sozinhos, conheceram-se em Nashville e estiveram tres semanas a viajar juntos.

Ao chegarmos a porta do bar, realizamos que teriamos de pagar entrada, algo que nos desmotivou, em conjunto com os ‘abrir de boca’ atraves dos quais dialogavamos com Joao Pestana. Com pouca vontade e com a cabeca no busking que ja tinhamos combinado para a manha do dia seguinte, lancamos uma moeda ao ar para decidir se iamos entrar ou nao. A moeda deu uma resposta negativa a continuacao da noite (e positiva a nossa vontade inicial), mas no segundo seguinte iniciamos um dialogo, no qual os dois defendiam que estavamos em New Orleans, era sábado a noite e iamos para a caminha! ‘F*ck it! We go with you Karol’. Ja la dentro e apos duas cervejas, percebemos que o Bourbon custava 4 US$, enquanto a cerveja custava 3 US$. O que se seguiu foi um festival de Bourbons, ao som de uma banda extensa, com muitos elementos de sopro e com uma vocalista sexy, de voz rouca a incendiar a imaginacao dos varios homens presentes. Nao tenho tantas memorias dessa noite quanto gostaria, mas foi-me contado que, quando o taxista parou em frente ao nosso hostel e ao deparar-se com o cenario de ver o Formiga ja fora do carro a caminhar em direcao a casa, lhe perguntou: ‘Hey, won’t you gonna take the guy on the backseat?’, ao que o Formiga responde apos gritar uma onomatopeia daquelas que ele utiliza quando se esquece de algo e que aperfeicoou ao longo de tantos anos ‘Sorry man! I forgot him’. Obrigado hein Formiga! Valeu!

Nos tres días seguintes fizemos busking no French Quarter e colecionamos estorias caricatas que contarei num próximo post. New Orleans foi, sem duvida, a cidade com o melhor vibe  para se fazer busking desta viagem. Por outro lado, foi tambem o local com mais competicao. Todos os días, o French Quarter e invadido por centenas de buskers que elevam esta cidade ao estatuto de capital mundial do busking, designacao que divide com Paris. Entre magicos, dancarinos, músicos e oficios que nao sei bem como descrever, as ruas de New Orleans foram ja alvo de varios documentarios e livros. Alguns destes buskers sao mundialmente conhecidos, como o grupo de ginastas ‘Blue Man’,  o invisual que toca harmonica no classico ‘Stand by me’ da inciativa Playing For Change e o percurssionista incrivelmente rapido que toca na Bourbon Street, num balde virado ao contrario. Este ultimo foi a estrela de um video que se tornou viral na era pre-youtube.

Mas New Orleans e muito mais!
New Orleans tem cores, humidade e uma selva a desabrochar em cada canteiro. Antes de ser a cidade de NO, aquele espaco era mais um pedaco da densa selva do sul do Louisiana, com os seus pantanos e respetivos crocodilos. New Orleans e tambem o expoente do Vudu nos EUA e uma terra de bruxas (havendo varios itinerarios noturnos a cobrirem os locais onde ocorreram as estorias mais macabras e onde foram assassinadas as bruxas que governavam NO no plano das energías). New Orleans e tambem a terra dos furacoes. O furacao Katrina ainda esta bem vivo na mente dos locais e os seus estragos ainda sao visiveis em varias zonas. New Orleans e tambem o paraíso dos weirdos, onde o conceito de pessoas esquisita ou ‘fora’ nao existe…
Mas New Orleans e tambem o local com os piores transportes em que tive em toda a minha vida. Ver o eletrico passar, constantemente, cinco vezes na direcao contraria, antes de vir o nosso, chega a parecer uma partida de TV.

Concluia, entao, dizendo que New Orleans e a terra das contas por inteiro! Nao ha meias medidas e uma deducao lógica de algo banal revela-se, a toda a hora, um erro. Pergunto-me o que pensara do mundo um velhote que tenha passado toda a sua vida em New Orleans.

A base para este mood e a razao para que esta cidade contenha elementos tao unicos so pode estar associada a sua arquitetura que se reparte entre influencias Francesas, Espanholas e Americanas.
Um dia, em conversa com um arquiteto ja reformado, ele referiu-me que o enorme numero de gente deprimida deve-se ao facto de toda a gente viver em predios que sao todos iguais uns aos outros, cada um com 20 apartamentos todos iguais, que contem decoracoes IKEA todas iguais umas as outras. Chegar a casa, apos um dia duro e sentir que nao se esta num sitio único, que foi construido a nossa imagem e, emocionalmente, desgastante. Ele sustentou o seu discurso com varios exemplos, entre os quais o da Grecia Antiga, cujos lideres sempre tiveram muito cuidado com as decoracoes e ornamentacoes dos edificos publicos porque, segundo eles, se os nossos olhos virem coisas bonitas, as nossas emocoes tambem vao ser mais ‘bonitas’.


Obviamente que nao nos sentimos em casa, embora nao tenhamos qualquer duvida sobre a unicidade de New Orleans. E unica, mas nao e para nos! E para os locals que alimentam este caos controlado. As suas emocoes so podem ser bonitas, porque se ha cidade que e inigualavel e irrepetivel no mundo, provavelmente, ela será New Orleans.

No comments:

Post a Comment