Saturday, May 25, 2013

Highway 61 (parte 4) - Vicksburg

Consciente de que foquei muito mais os dois dias em Clarksdale do que o resto do percurso de uma semana rumo a New Orleans pela 61, esta decisao nao e indicativo de que os restantes dias tenham sido medianos, nem tao pouco sem sal. A verdade e que em Clarksdale nos ataram uma corda aos pes e nos penduraram de forma a termos uma perspetiva diferente das terras que acompanham o rio Mississipi, neste Estado. A partir dai, os nossos olhos adaptaram-se, os raciocinios se desembaracaram e os coracoes aqueceram, tornando-nos seres mais preparados para o que iriamos ver a seguir.

Ao descer a Highway 61, notamos que a paisagem nunca se alterou. A medida que iamos percorrendo as 350 milhas entre Clarksdale e New Orleans, a paisagem nao evoluiu nem um pouco, mantendo-se vasta, baixa e em tons esverdeados. Estando desenhada entre vilas que nao mudam ha muitas decadas e campos de algodao que aguardam o branco brotar das flores, a 61 atravessa localidades com populacoes, maioritariamente, negras que se movem devagar e que esbocam facilmente um sorriso. Cada senhor com que nos cruzamos e um ‘how you doin?’ que colecionamos e, caso fossem de carro, era um tradicional levantar de mao que cordialmente nos cumprimentava, embora muitas vezes o olhar nao acompanhasse o gesto. Nao sei se haveria toda uma intencao, ou uma inexistencia de sentimentos nesses gestos, mas os mesmos la contribuiam para que nos fossemos sentindo bem recebidos.

Cruzamos Rosedale, Greenvile e voltamos a ter um ponto alto em Vicksburg. Na cidade que foi palco da batalha mais sangrenta e decisiva da Guerra Civil Norte Americana, frequentamos mais uma juke joint, mas esta de caracteristicas diferentes.

Com o estatuto de unicos brancos no barracao, assistimos ao concerto de uma banda com varios membros que tocavam musicas com uma carga mais religiosa e com um estilo mais proximo do gospel, do que propriamente do blues mississipiano. Apos entrarmos, procuramos um tal de Larry para lhe dar um recado do Richie, senhor branco e muito bem vestido, que nos abordou e com quem tivemos a beber umas cervejas a tarde.

‘Richie Rich from the casinos?’ ripostou Larry Jr, filho de Larry (Larry era o proprietario daquela juke joint).

Num rapido Flashback, lembrei-me de todas as questoes sobre como tinhamos vindo ali parar, se a rota do blues era publicitada em Portugal, por que sitios passamos, quais os que mais gostamos, etc. Tinhamos entao servido de barometro para um empresario que se encontra em fase de diagnostico para fazer crescer o turismo da rota do blues e, consequentemente, aumentar o numero de turistas com dinheiro no bolso para gastar em Vicksburg.
Esta cidade e, claramente, mais desenvolvida do que as restantes que cruzamos na 61. Desde um centro arquitetonicamente bem pensado, a centenas de canteiros bem coloridos, passando pelas caixas de eletricidade que dao musica durante 24 horas por dia (em Nashville, as caixas de eletricidade tambem passavam os hits da musica country), pelos varios murais pintados por artistas e pelas pelas placas explicativas que povoavam os locais, no qual algo se passou de historicamente importante, Vicksburg ja nao se encaixava na mesma categoria do que as vilas dos dias anteriores.

Contudo, nesta juke joint tudo voltou a ser genuino. As conversas faceis, o bater do pe de forma ritmada, o consumo de alcool (licito ou ilicito) e as partilhas pessoais apos a musica cessar e o que de verdadeiramente unico se retira do Estado do Mississipi. Estas noites foram tao diferentes e especiais que voltamos a elas sempre que o assunto entre nos acaba, ou estamos dentro de um autocarro sabendo que o destino do bilhete ainda se encontra a mais de 15 horas.

Vicksburg foi bom, mas nao memoravel. E ingrato para qualquer cidade vir a seguir a Clarksdale.

Para poupar dinheiro, dormimos no carro (foi ai que percebemos que as estupidas caixas de eletricidade dao musica toda a noite e nos obrigaram a mudar o carro de sitio varias vezes) e no dia seguinte visitamos o campo onde decorreu a batalha de Vicksburg. Concluida a visita, fomos comprar mantimentos no minimercado, mais um livro numa pequena livraria cuja proprietaria era fa de Jose Saramago e arrancamos em direcao a New Orleans. 
Ao som da BB King Blues Station e ao sabor de sandes de catfish, deixamos o Mississipi para entrarmos no Louisiana.


Nao fizemos promessas de retorno, embora tenhamos concordado de que estes dias foram os melhores momentos da viagem. A razao? Nao sei… Talvez porquenas nossas cabecas nunca o deixaremos ou talvez porque o sagrado, implica a possibilidade do profano…e profanar o Mississipi esta fora de questao! 

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